segunda-feira, novembro 19, 2007

Miséria persiste apesar do Bolsa Família

MARTA SALOMON - DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Moradora de uma invasão distante menos de 50 quilômetros da Praça dos Três Poderes e desempregada há dois anos, Marlucia Alves Farias, 27, recebe o valor máximo pago pelo Bolsa Família: R$ 112 mensais.
Apesar do benefício, Marlucia e os cinco filhos estão entre os 12,6 milhões de brasileiros considerados miseráveis, de acordo com a faixa de renda per capita considerada pelo próprio programa para definir a pobreza extrema.
Estudo feito pelo Ministério do Desenvolvimento Social a pedido da Folha mostra que esse não é um caso isolado entre os beneficiários do Bolsa Família. No Nordeste, região que concentra a metade das famílias atendidas pelo principal programa social do governo Lula, a renda familiar média após o pagamento do benefício não alcança R$ 60 por pessoa. Está em R$ 59,11 mensais.
Na região Norte, a média fica apenas R$ 0,47 acima da linha da extrema pobreza. No país, essa média é de R$ 64,55, bastante distante da renda com que uma família superaria a condição de pobreza, pelos critérios do programa.
"O problema é que há famílias muito pobres mesmo", observa Rosani Cunha, secretária do Desenvolvimento Social responsável pelo Bolsa Família. Ela avalia que o valor pago pelo governo federal -entre R$ 18 e R$ 112 mensais, dependendo do grau de pobreza e do número de filhos em idade escolar- não é suficiente para tirar muitas das famílias da situação de extrema pobreza.
No Maranhão, Estado com o menor índice de desenvolvimento humano no país, as famílias do programa registram renda média de R$ 55,58 por pessoa da família após o pagamento do benefício.
A 272 quilômetros da capital, na cidade de Belágua, os miseráveis do Bolsa Família são maioria. "Aqui, só quem é funcionário público tem renda fixa, o restante são trabalhadores rurais que plantam para sobreviver, com famílias numerosas, de 9, 11, 12 filhos", conta a assistente social Daniela Araújo Vieira, responsável pelo programa no município.
O estudo do Desenvolvimento Social mostra que a renda média dos beneficiários do Bolsa Família é inversamente proporcional ao ganho percentual de renda com o programa. No Maranhão, por exemplo, onde a média é mais baixa, o ganho medido foi de 66,2%. Em Goiás, Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, os ganhos de renda com o programa foram, em média, de até 30%.
O ministério não calculou o número total de famílias com renda inferior a R$ 60 após o pagamento do benefício. Mas informa que parte dos 11 milhões de famílias beneficiadas entrou no programa com renda média inferior a R$ 6 por mês por pessoa. A renda máxima que permite acesso ao programa é de R$ 120 mensais.
Segundo Rosani Cunha, o governo não cogita aumentar o valor do benefício depois do reajuste de 18,25% concedido há apenas três meses. Mas espera votos no Congresso em projeto de lei para pagar até R$ 60 extras a famílias que tenham jovens entre 15 e 17 anos matriculados em escolas. A proposta eleva o benefício máximo do Bolsa Família para R$ 172, a partir de 2008. "Isso teria impacto nas famílias mais pobres", sustenta. Neste ano, o programa custará R$ 8,7 bilhões aos cofres públicos.
A saída para os que permanecem miseráveis após o pagamento do Bolsa Família, na avaliação do ministério, seria garantir o acesso dessas famílias a outras políticas públicas destinadas a enfrentar as demais dimensões da pobreza, além da renda.
Pesquisa recente do ministério mostrou que mais da metade (56,2%) dos titulares do programa tem baixa escolaridade e não passou da quarta série do ensino fundamental; 1,8 milhão dos titulares seriam analfabetos. Cerca de 20% lançam esgoto em valas ou a céu aberto e moram em casas de taipa ou madeira. Só 36,4% das famílias beneficiadas têm acesso a sistema de esgoto sanitário.


Sujeira na igreja

FRANCESCO SCAVOLINI
A função do magistério eclesiástico é guiar o povo de Deus, mas parece que alguns guias perderam, eles mesmos, o rumo
"QUANTA SUJEIRA existe na igreja! Até mesmo no meio daqueles que, sendo sacerdotes, deveriam pertencer inteiramente a Deus". Essas palavras foram pronunciadas pelo então cardeal Ratzinger durante a meditação da Via Sacra no Coliseu, em Roma, na Sexta-Feira Santa de 2005, poucos dias antes da morte do papa João Paulo 2º.

É provável que, com as referidas palavras, o futuro papa quisesse referir-se não somente aos casos de abuso sexual envolvendo o clero mas também aos desvios e erros doutrinários com graves conseqüências éticas e morais para a vida da igreja e da sociedade.

É bom lembrar que o reconhecimento de erros e abusos não ficou só no papel, pois a Santa Sé tem punido exemplarmente os responsáveis, tendo também confirmado para toda a igreja que os delitos de abuso sexual devem ser tratados como crimes hediondos também perante as autoridade civis. Infelizmente, parece que, no Brasil, algumas das autoridades da Igreja Católica nem sempre seguem o exemplo da Santa Sé.

Por exemplo, se essas autoridades tivessem punido e afastado o padre Lancelotti uns anos atrás, quando ele, violando as normas canônicas, apoiou pública e abertamente, tanto em 2000 como em 2004, a candidata a prefeita Marta Suplicy (Marta, que defendia e defende ainda hoje o aborto, o divórcio, o casamento entre homossexuais, a descriminalização das drogas, foi fazer até comício dentro da igreja do padre Lancelotti, no altar, tendo ao lado o mesmo padre, que pedia votos para ela), teriam certamente cumprido sua tarefa de preservar o povo católico e a sociedade de gravíssimos desvios éticos e morais, poupando também a igreja do grave escândalo que a atinge.

De fato, a principal função do magistério eclesiástico é a de guiar o povo de Deus no caminho da fé. Contudo, parece que alguns desses guias perderam, eles mesmos, o rumo. Vou citar somente um exemplo.
Em agosto de 2005, no cume da crise de corrupção que aturdia o governo, o presidente Lula, buscando o apoio da igreja, enviou uma carta à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) em que, reafirmando explicitamente o seu catolicismo, não só tomou posição em defesa da vida em todos os seus aspectos e em todo o seu alcance mas também prometeu que o seu governo não tomaria nenhuma iniciativa que contradissesse os princípios cristãos.

Música para o ouvido dos bispos e do povo católico, não fosse que, um mês mais tarde, o governo Lula decidiu apresentar ao Congresso, por meio da ministra Nilcéa Freire, o projeto para a liberação do aborto.
Esse projeto, incorporado ao texto do substitutivo da então relatora Jandira Feghali, está em tramitação no Congresso e permite a descriminalização total e absoluta do aborto (sim, caro leitor, se o referido projeto for aprovado pelo Congresso, qualquer bebê poderá ser eliminado até poucos minutos antes do nascimento sem que os matadores sejam punidos).

E o católico Lula, será que foi punido por ter enganado a igreja ? Não, caro leitor, mesmo depois de tudo isso, mesmo depois de ter sancionado a lei que permite a manipulação e a destruição de embriões humanos, mesmo depois de ter recentemente chamado de hipócrita a igreja, o católico Lula, bem como o católico Lancelotti, não foi punido pela igreja.

Lula, aliás, foi premiado com a recente visita do ex-arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes, que foi celebrar missa para o presidente e uns poucos convidados na capela do Palácio da Alvorada e, durante a homilia, comparou Lula a Jesus (será que esqueceram o documento da CNBB de 12 agosto de 2005, em que está escrito: "É preciso buscar as raízes históricas da perversa cultura de corrupção implantada no país.
Ela se nutre da impunidade, acobertada pela conivência, que se torna cumplicidade, incentivada por corporativismos históricos, habituados a usar em benefício de interesses particulares as estruturas do poder público"?).

Quero terminar este artigo com as palavras de Bento16 que concluíram a meditação da nona estação da referida Via Sacra: "Senhor (...) a veste e o rosto tão sujos da Tua igreja nos atordoam. Porém, somos nós mesmos que os sujamos! Somos nós mesmos que Te traímos cada vez depois de todas as nossas grandes palavras, os nossos grandes gestos. Tem piedade da Tua igreja (...) Te levantaste de novo, ressurgiste e podes novamente nos levantar também. Salva e santifica a Tua igreja. Salva e santifica todos nós".

FRANCESCO SCAVOLINI, 51, doutor em jurisprudência pela Universidade de Urbino (Itália), é especialista em direito canônico.

domingo, novembro 04, 2007

A mediocridade da eficiência

FERNANDO BONASSI FSP -
04 de outubro de 2005


Considerando que a mediocridade da eficiência é uma tendência que tem norteado as decisões desnorteadas de administradores, capatazes e patrões, convém que se esclareça para sua cabeça: a mediocridade da eficiência se justifica pela necessidade de lucratividade avantajada, rentabilidade ilimitada e incompetência generalizada. Não importa se os acionistas interesseiros permanecerão vivos entre os pobres traiçoeiros que lhes espreitam à saída das festas, premiações e casamentos. A mediocridade da eficiência é mais importante do que a vida de meia dúzia de burgueses ignorantes, por mais inocentes ou tratantes que sejam em seus desejos ou dejetos. Trata-se de uma teoria econômica radical: "Se é economia essa porcaria, é para economizar na limpeza, oras!".
Claro que os filósofos materialistas não se cansam de espalhar no ventilador da História para onde se dirigem esses recursos que, no curso da memória dos acontecimentos, financiam campanhas de desesperança e a desmoralização dos sonhos de mudança, que esses socialistas concursados teimam em plagiar dos anarquistas marginalizados.
A mediocridade da eficiência é uma religião que abençoou a preguiça da razão! Não transforma, transtorna; não goza, "tira um sarro"; não cria, esgota. É enxuta como a cintura de uma prostituta de dieta; direta como um atropelamento e objetiva em suas assertivas para não dar tempo ao tempo dos pensamentos subjetivos que insistem em atrapalhar os resultados almejados.
A mediocridade da eficiência é mesmo uma ciência exata como um tapa: dá, por exemplo, com a mão dos salários aquilo que só os otários podem suportar e tira com a dos impostos, descontos e taxas o que termina por bancar a impostura dos assessores professores, seguranças contratados, motoristas turbinados e demais dependentes do seio esplêndido em que mamam por gerações, sem desocupar nossas preocupações quanto à saúde dessa mãe sugada, abatida e condenada à dupla jornada.
Já que nem todos têm a possibilidade de se tornarem cidadãos de verdade, que permaneçam arrochados, esquecidos ou simplesmente excluídos, varridos das grandes centros para o limbo das periferias, onde podem se atirar uns contra os outros, numa brincadeira suicida que só a juventude tem o saco roxo para participar.
Claro que numas horas dessas também podem fumar ou cheirar qualquer coisa de arrepiar a espinha para se esquecerem da sina de nem enxergar o que pode lhes acontecer. Mas a mediocridade da eficiência está presente em todas as classes de pessoas, amigos e parentes. Está na elite de velhacos que acumula e nas mulas que se açoitam como escravos. A mediocridade da eficiência está nos modelos de gerência onde é preciso poupar inteligência para dar um mínimo de indecência à maioria das aposentadorias duplicadas, viagens e vantagens oferecidas em surdina, além dos cargos amealhados de sacanagem na comissão por porcentagem.
A mediocridade da eficiência é uma saliência que administra por impulso do pulso de regredir, de guardar dinheiro, seja nacional, seja estrangeiro, que aliás é mais forte e, já que não tem pátria, costuma-se preferir.
A mediocridade da eficiência considera o planejamento uma perda de tempo ou que tempo é uma velocidade de cruzeiros, e isso não tem nada a ver com previsão, mas com revisão, divisão e subtração.
A mediocridade da eficiência empata o débito com o crédito numa contabilidade de analfabetos, uma vez que a educação parece ser um prejuízo lamentável à nação, conforme atestam as dotações de um orçamento que até parecem doações, ou excremento, com o que destinam ao desatino do futuro.
A mediocridade da eficiência advoga a repetição, a continuidade, a concentração. Não pode imaginar a imaginação no poder!
A mediocridade da eficiência é que garante a inocência dos culpados, que podem ser alocados em serviços terceirizados, constrói conjuntos habitacionais comunistas para deleite da mais-valia dos empreendedores vigaristas, ergue as pontes que desabam e os prédios que despencam e forja as sentenças com que se penam ou se apiedam...
A mediocridade da eficiência facilita as coisas, dá um jeito no jeitinho e se contenta com o pouquinho que a sustenta, embalando as sobras para os sacoleiros que obram por malas recheadas de sujeiras afanadas e criando paraísos fiscais de facilidades gerais para ilhas de miséria infernais. A mediocridade da eficiência se alimenta de orçamentos retalhados, juros elevados e diplomas saturados de méritos e inutilidade. A mediocridade da eficiência torna todos meio especializados nos ínfimos inexplicáveis de todos incompreensíveis! É a mediocridade da eficiência que põe armas inteligentes nas mãos de soldados destemperados, destreinados ou burros mesmo.
Fecha salas de aulas com poucos alunos, desconsidera a experiência da velhice e a inocência das crianças, cujas naturezas improdutivas incomodam os ativistas credenciados por mercados em expansão ou explosão terrorista...
A mediocridade da eficiência é, assim, democrática à sua maneira: oferece igualdade aos desiguais, fraternidade aos estranhos demais e liberdade para escolher quais os locais onde os indigentes vão querer cair para morrer. Envolve a todos os reprodutivos num conluio ativo para paralisar ou privatizar o que está em movimento, o que há de novo ou o que é criativo.
Tudo é feito para ficar bem fundo. Afundar a ousadia do mundo.