terça-feira, junho 03, 2008

Cuidado com a vulnerabilidade externa

A economia brasileira vem aumentando substancialmente a sua vulnerabilidade externa. Não deixa ser curiosa essa afirmação, diante do fato de o País contar com um volume recorde de US$ 200 bilhões em reservas cambiais, registrar expressivo ingresso de investimentos estrangeiros e de ter acabado de ser promovido ao grau de investimento por duas das três principais agências de classificação de risco internacionais.

Apesar desses indicadores positivos, no entanto, há um dado que tem preocupado. A conta de transações correntes do balanço de pagamentos está deficitária em US$ 14,7 bilhões, nos 12 meses acumulados até abril deste ano. Essa conta é o resultado dado pelo saldo da balança comercial (exportações e importações), mais o saldo do balanço de serviços (pagamentos de juros sobre endividamento externo, remessas de lucros e dividendos ao exterior, gastos de viagens internacionais, etc.). Mais do que o volume desse montante em si, chama a atenção a velocidade de deterioração do seu resultado. Há apenas um ano, esse mesmo dado era superavitário em US$ 13,9 bilhões. Ou seja, houve uma inversão de posição de credora para devedora da ordem de quase US$ 29 bilhões em apenas 12 meses, revelando uma trajetória preocupante.

A principal causa da deterioração do resultado em transações correntes tem sido a excessiva valorização do real ante as demais moedas. O câmbio baixo incentiva importações, ao mesmo tempo que desestimula as exportações, especialmente as de maior valor agregado. Os dados da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) são, nesse ponto, elucidativos. O volume quantum (que não considera a variação de preços) de exportações de industrializados nos 12 meses acumulados até abril cresceu apenas 0,9%, enquanto as importações desse mesmo item cresceram 21,3%. O que continua assegurando um saldo comercial positivo na balança comercial são os produtos básicos, um vez que, apesar de terem crescido apenas 1,6% em volume, os preços exportados cresceram 23,2%, no mesmo período.

O problema é que estamos cada vez mais dependentes de produtos básicos, cujos demanda e preços no mercado internacional tendem a ser mais voláteis. Além disso, como o valor agregado doméstico é muito baixo, a sua contribuição para a geração de tecnologia, renda e empregos locais é bastante limitada.

O câmbio baixo também é um estímulo às remessas de lucros e dividendos para o exterior, que têm crescido significativamente, impactando a balança de serviços. Um argumento recorrente daqueles que minimizam o problema é que os ingressos de investimentos externos, diretos e portfólio têm superado, com folga, o déficit externo. De fato, isso vem ocorrendo, mas não garante a blindagem do País. Historicamente, sempre que o Brasil incorreu em déficits externos elevados, acima de 4% do produto interno bruto (PIB), ficou mais vulnerável. No final da década de 1990, o déficit externo superou os 5% do PIB e, apesar do então recorde no ingresso de investimentos diretos estrangeiros, isso não impediu a crise cambial do início de 1999.

Nos últimos meses, observam-se ações do governo em medidas que podem colaborar para incentivar as exportações e a produção local. Houve medidas cambiais e também o anúncio da Política de Desenvolvimento Produtivo. No entanto, o elevado diferencial entre a taxa de juros doméstica e a internacional, associada à queda da percepção de risco, dada também pela reclassificação obtida junto às agências, tem acentuado a valorização do real. As medidas podem amenizar esses efeitos, mas não os alteram substancialmente no curto prazo.

A experiência brasileira já demonstrou que, em se tratando de câmbio, é melhor prevenir do que remediar. O câmbio flutuante em algum momento promoveria uma correção no seu preço. O ajuste, no entanto, poderá ser tardio e traumático. É melhor se antecipar e corrigir a distorção cambial enquanto as condições são favoráveis, o que somente será bem-sucedido se coadunado com ajustes nas áreas fiscal e monetária.

*Antonio Corrêa de Lacerda, professor-doutor da PUC-SP, doutor em Economia pela Unicamp, é co-autor, entre outros livros, de Economia
Brasileira (Saraiva) E mail aclacerda@pucsp.br