quinta-feira, outubro 25, 2007

Ameaça à soberania

Claudio Dantas Sequeira Da equipe do Correio

A infiltração ideológica do governo de Hugo Chávez no Brasil vai muito além do lançamento do livro Simón Bolívar – o Libertador. O Correio descobriu que o mandatário venezuelano tem um projeto político especial para o país, no qual assenta as bases de uma luta revolucionária em prol do socialismo do século 21. Parece piada, mas não é. O trabalho de campo está sendo coordenado pelo venezuelano Maximilian Arvelaiz, homem de confiança de Chávez. Há quase um mês, ele percorre várias capitais brasileiras com a missão de reorganizar os Círculos Bolivarianos e outras unidades de apoio à causa chavista. Essa articulação culminará na realização da primeira Assembléia Bolivariana Nacional em dezembro, no Rio de Janeiro. No encontro, será lançada a versão tupiniquim do Movimento Bolivariano. Trata-se de uma frente antiimperialista dedicada a transformar o Estado numa "democracia socialista", como consta do próprio estatuto desse futuro organismo, obtido com exclusividade pela reportagem. As linhas teóricas do documento repetem, sem timidez, o ideário da Reforma Constitucional chavista e sua meta de construir um "poder popular" para formar uma "federação socialista latino-americana". O Movimento terá hino, símbolo e bandeira próprios, e prevê cooptação de posições estratégicas em partidos, sindicatos, associações de bairros, grupos religiosos, ligas camponesas e empresas. Arvelaiz não está sozinho. Para apoiá-lo, Caracas enviou mais 15 diplomatas à embaixada em Brasília e consulados, inclusive um adido de inteligência. Para não despertar suspeitas, o Palácio de Miraflores deu a justificativa oficial de que se trata de um "reforço diplomático" para impulsionar as relações bilaterais. Nada mais coerente quando o próprio presidente Lula classifica Chávez como parceiro importantíssimo e força a imediata aprovação no Congresso do Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul. De fato, hoje será votado o parecer do deputado Dr. Rosinha (PT-RR) sobre o assunto na Comissão de Defesa Nacional e Relações Exteriores da Câmara. Círculos
O enviado especial de Chávez tem se reunido com os coordenadores dos vários Círculos Bolivarianos espalhados pelo Brasil para instruí-los da mudança de status dessas células sociais. Deixam de ser apenas unidades para a disseminação da doutrina bolivariana e se tornam parte de uma estrutura nacional, uma frente política aparelhada. O documento trazido por Arvelaiz e que sofreu adaptações à realidade nacional orienta à "formação de mulheres e homens dispostos a assumir a responsabilidade de conduzir a pátria brasileira e latino-americana até nossa definitiva independência". "Para nós, a construção do socialismo no Brasil tem de recolher de forma crítica e inovadora experiências históricas de larga duração, oriundas dos setores nacionalistas revolucionários do velho PTB, de correntes dos velhos PCB e PSB, da Organização Revolucionária Marxista-Política Operária (ORM-POLOP) e da chamada 'nova esquerda'", informa o texto de apresentação do evento no site http://assembleiabolivariananacional2007.blogspot.com. A página é mantida pelo Círculo Bolivariano Leonel Brizola (fundacional), cujo coordenador é o jornalista Aurélio Fernandes, membro da CUT-RJ e do diretório nacional do PDT. Fernandes criou a chamada Casa Bolivariana, que reúne todas organizações similares do Rio. É o caso do Círculo Bolivariano Che Guevara, que reúne universitários. Eduardo, um dos responsáveis, confirmou à reportagem que o Movimento Bolivariano recebe apoio do Consulado Geral da Venezuela, capitaneado pelo embaixador Mario Guglielmelli Vera. "A gente conta com a ajuda deles, não só formando uma base de solidariedade à revolução na Venezuela e em Cuba, mas ajudando na construção de uma revolução no Brasil." Ele ressaltou o trabalho intenso do novo cônsul, mas garantiu que se trata de apoio político e não financeiro. Segundo ele, quem banca os Círculos são os próprios integrantes e não há financiamento externo. No entanto, o capítulo novo do estatuto do Movimento determina que as finanças terão origem em contribuições não só dos militantes, mas "doações de pessoas e entidades jurídicas" — o que inclui qualquer tipo de patrocinador. Cada instância do Movimento deve anualmente "preparar um plano de arrecadação de fundos" e "tomar iniciativas com empreendimentos econômicos e financeiros, de propriedade coletiva, que venham representar entrada de recursos". O Movimento terá como fachada jurídica a Associação Nacional pela Educação Popular e a Cidadania. Em nome dela estarão todas as propriedades e documentos legais. O petista Afonso Magalhães, diretor do Círculo Bolivariano de Brasília, simpatiza com a iniciativa, mas pondera. "Temos de conduzir isso com os movimentos populares, sem se afastar da base social do PT e do Lula, senão a gente fica isolado, com um discurso ideologizado". Magalhães, que esteve com o enviado de Chávez, orientou a Caracas evitar a radicalização com o governo. "Se alimentar antagonismo com Lula, vai dividir em vez de unir". Os Círculos Bolivarianos reúnem em sua direção intelectuais, políticos, sindicalistas, empresários e estudantes. Há membros do PT, PSol, PDT, CUT e MST. O Rio de Janeiro é o estado com maior números de unidades bolivarianas (sete), grande parte sob o guarda-chuva do Círculo Bolivariano Leonel Brizola. Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Bahia e Amazonas também têm organizações.

Trechos Estatuto do Movimento Bolivariano do Brasil
"É uma organização política que se define como bolivariana, guevarista e brizolista. Fundamenta na teoria marxista sua visão crítica e revolucionária, contra o capitalismo (…) Se propõe a combater por meio da luta ideológica frontal. Utilizaremos todas as formas de luta tendentes à resolução da luta de classes que tem como objetivo a tomada do poder" "Lutamos por uma sociedade socialista que prepare as condições para uma sociedade sem classes e sem estado: a sociedade comunista. Um movimento da luta socialista pela libertação nacional brasileira, pela unidade e independência da América Latina"
"O povo trabalhador deve se organizar e lutar para construir o Poder Popular através da conquista do Estado e o controle dos meios de produção. Precisamos de uma educação política que garanta a unidade da teoria à prática local concreta"
"O Congresso Bolivariano Nacional é a instância máxima do Movimento. Reúne delegados de todos os círculos bolivarianos dos estados e municípios"
"A Assembléia Bolivariana Nacional reunirá a Coordenação Nacional, os coletivos e equipes nacionais e dois representantes por estado"
"As principais missões que deverão agrupar os companheiros e ter planos de ação são: Educação Política, Comunicação e Propaganda, Finanças, Mobilização. Haverá ainda o Coletivo de Relações Internacionais"
"O Movimento deverá implementar e organizar seus militantes na forma de círculos bolivarianos, agrupando os companheiros, desde a base, em seus locais de luta no trabalho, na moradia e no estudo. Para o melhor funcionamento dos círculos, a coordenação nacional elaborará normas de funcionamento específicas"
"Em todas as atividades do Movimento devem estar presentes a Bandeira e o Hino (a serem definidos). Todos os meios de comunicação possíveis, como rádio, folhetos, filmes, vídeos serão utilizados para divulgação"

Protesto em Caracas
Manifestantes ostentam cartaz com imagem do presidente Hugo Chávez e a frase "Hugo I em traje democrático". Milhares de pessoas protestaram ontem em Caracas contra as reformas constitucionais que permitiriam ao chefe de Estado venezuelano se reeleger por mandatos consecutivos. A polícia atirou bombas de gás lacrimogêneo contra a multidão, depois que um pequeno grupo lançou garrafas contra os agentes perto da Assembléia Nacional.
análise
DA NOTÍCIA
Regras rasgadas
A organização de Círculos Bolivarianos no Brasil teve início em 2004, no rastro da virada diplomática do presidente venezuelano, Hugo Chávez, para angariar apoio a seu projeto político no exterior. Mas, sob a fachada de inocentes unidades de divulgação da doutrina bolivariana e dos fundamentos do Socialismo do Século 21, se descobre uma articulação política com ares de ingerência e risco à soberania. Ao prever "o uso de toda forma de luta" para transformar o Estado brasileiro em parte de uma "federação socialista", o Movimento Bolivariano rasga as regras de convivência democrática e traz à memória o fantasma da guerra ideológica que animou duas décadas de ditadura militar no país. Poderiam ser palavras ao vento, não fossem as gestões diplomáticas realizadas pelo Palácio de Miraflores, ganhando eco no seio de partidos políticos, organizações sociais e grupos juvenis.
Esses círculos brasileiros se espelham em seus similares venezuelanos, que são financiados pelo governo. Lá, eles chegam a 1,2 mil e funcionam como uma interface essencial entre o presidente e o povo, solapando a representatividade do Legislativo.
Em seis dias, será lançado em Brasília o livro Simón Bolívar, o Libertador. Em dezembro será a vez do "Movimento Bolivariano". Qual será o próximo passo? (CDS)


Correio Braziliense, 24/10/2007

terça-feira, outubro 09, 2007

Blogueiros, cuidado quando criticarem os ricos e poderosos

Doreen Carvajal Em Paris - UOL MÍDIA GLOBAL

Quando um bilionário nascido no Uzbequistão e um ex-embaixador britânico sem papas na língua se chocaram por causa de um blog crítico, o primeiro resultado foi equivalente a censura na Internet.O "web log" (ou blog) diário do ex-embaixador do Reino Unido no Uzbequistão, Craig Murray, desapareceu depois que o provedor de Internet de Murray na Grã-Bretanha recebeu uma enxurrada de intimações ameaçadoras exigindo a retirada da informação "potencialmente difamatória" sobre Alisher Usmanov, um magnata da mineração uzbeque que tem uma crescente participação no time de futebol inglês Arsenal.
Duas semanas depois, Murray não está mais blogando, mas suas opiniões corrosivas deverão voltar à tona através de um provedor de Internet da Holanda, cujas leis contra difamação são mais brandas, que oferece refúgio para blogueiros polêmicos dos EUA e da Inglaterra. E com essa viagem Murray despertou o apoio e a revolta geral de blogueiros e provedores de Internet, que se queixam de que as exigências das empresas estão ficando mais freqüentes em vários países.
"Eu pessoalmente prevejo que a próxima área de crescimento não é a censura aos sites de fabricação de bombas na Web", disse Richard Clayton, um pesquisador de segurança informática da Universidade de Cambridge e membro da Iniciativa OpenNet, que rastreia a censura à Internet em todo o mundo, "mas sim queixas sobre difamação e processos jurídicos."A odisséia de Murray começou no início de setembro, quando ele publicou em seu blog uma descrição pejorativa de Usmanov.A firma de advocacia de Londres Schillings, especializada em entretenimento e mídia, revidou o ataque em nome de Usmanov com advertências legais ao provedor de Internet do blog, Fasthosts, exigindo a eliminação da publicação dentro de 24 horas.
Seguiram-se outras cartas, e na quarta queixa a Fasthosts simplesmente desativou o site -juntamente com dois outros servidores, fechando mais de uma dúzia de outros sites, incluindo o de um membro do Parlamento britânico."É extremamente assustador que isso possa acontecer, porque eles podem retirar uma coisa que nem foi verificada no tribunal, sem qualquer sanção legal a não ser uma carta de um advogado caro", disse Murray em entrevista. "Fico muito contente de que isso seja verificado no tribunal. Por que eles não fazem isso? Porque atrairá pessoas que conhecem a verdade sobre o assunto."
Depois que seu blog foi silenciado, vários outros blogueiros com opiniões diversas em política começaram a organizar uma coalizão para buscar proteções jurídicas, segundo Tim Ireland, um consultor de marketing on-line cujo blog também desapareceu quando os servidores foram fechados.A Associação de Provedores de Serviços de Internet (Ispa na sigla em inglês), o principal grupo setorial dos provedores britânicos, também vai realizar este mês uma reunião de seus membros para discutir a questão."
A ameaça é e sempre será o dinheiro", disse Ireland. "O poder cria as leis. Temos de retirar pelo menos um aspecto da lei antidifamação no Reino Unido, que dá uma vantagem injusta às pessoas que têm dinheiro.
"Enquanto isso, as acusações de Murray, que também estão em sua autobiografia, "Murder in Samarkand" (Assassinato em Samarkand), continuam se disseminando para outros blogs, indicando as potenciais conseqüências de se tentar abafar informações.
Rollo Head, um porta-voz de Usmanov, disse que o empresário e seus assessores estão satisfeitos com os instrumentos usados para contestar as informações prejudiciais e enganosas. "Estamos muito tranqüilos com a estratégia que adotamos em relação ao site da Web", ele disse.Usmanov contratou a Schillings, que é especializada em "proteção de reputação" e se gaba de defender astros. Harriet Campbell, uma advogada da firma, se recusou a discutir o impacto da estratégia adotada, dizendo em uma mensagem eletrônica que, "como qualquer firma de advocacia profissional, a Schillings não comenta suas instruções ou a abordagem das questões de seus atuais clientes".
Mas em seu site na Web a firma oferece uma lista de dicas para contestar os críticos on-line em plano internacional, descrevendo um cliente, um rico executivo, que foi acusado de comportamento antiético e crimes financeiros em um site dos EUA.
Nesse caso, a firma britânica empregou tática semelhante. Contatou o provedor de Internet, "avisando-lhe que apesar de as alegações terem sido fisicamente publicadas nos EUA elas eram difamatórias sob a lei britânica pois podiam ser acessadas no país".
O provedor retirou o material, segundo a Schillings, e "quando a fonte foi revelada e ficou sem publicidade, rapidamente fez um acordo para evitar um processo de difamação".
Companhias dos EUA, Canadá e Austrália já atuaram contra blogueiros para remover material com direitos autorais ou pediram a remoção de comentários críticos publicados por visitantes dos blogs.
Mas os blogueiros britânicos são especialmente vulneráveis a queixas de difamação por causa de uma decisão jurídica anterior que considerou os provedores de Internet como divulgadores de material difamatório se não reagirem quando alertados sobre um problema. O resultado é que os provedores são obrigados a decidir quem está dizendo a verdade.
"É uma coisa que os provedores têm de administrar como parte da administração de suas empresas", disse Brian Ahearne, um porta-voz do grupo setorial de provedores. "Não é algo em que a Ispa queira se envolver, e eles não deveriam ser juiz e júri a respeito disso.
"Algumas firmas de advocacia adotaram uma abordagem ainda mais direta, ameaçando os blogueiros com advertências legais ríspidas.Richard Brunton, um escritor escocês que tem dois blogs, disse que em abril passado começou a receber avisos de uma firma de lazer do Reino Unido que ficou irritada com comentários publicados por visitantes do seu blog, no qual ele resenha produtos, desde videogames a assoalhos de bambu.
Brunton disse que parecia que alguns funcionários contrariados tinham publicado comentários com referências específicas a empregados da companhia. Então ele os eliminou, segundo disse, mas depois recebeu intimações legais sobre comentários críticos publicados por pessoas que descreveram suas experiências com a empresa.
Brunton e o blogueiro britânico Tim Ireland disseram que as empresas parecem se mobilizar para agir contra comentários críticos quando os blogs aparecem entre os primeiros resultados de uma pesquisa no Google. Esse foi o caso dos comentários cáusticos de Murray sobre Usmanov, que surgiram no topo dos resultados em buscas com o nome do bilionário.
"As pessoas aprenderam uma lição para o futuro", disse Ireland. "É por isso que estamos na luta. Na próxima vez pode ser qualquer um."
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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