domingo, novembro 26, 2006

O rap da empulhação

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VITORIOSO NAS eleições, o presidente Lula passou a trilhar nas últimas semanas um percurso melancólico. Investe o capital obtido nas urnas em promessas vagas e messiânicas de aceleração do crescimento econômico, enquanto a realidade dos acordos partidários se impõe no tráfico fisiológico de sempre.
Seja nas conversações entre os formuladores de seu partido, seja nos encontros com os líderes de uma provável base de governo, o que ressalta nas atitudes de Lula é a falta de alternativas e soluções para o impasse econômico em que se encontra o país.
No círculo presidencial se chega à conclusão de que é preciso investir na habitação popular, doar dinheiro para famílias pobres conquistarem moradia. Algo parecido com uma idéia, enfim. Mas a caridade seria feita a expensas alheias, com a poupança do trabalhador forçado a contribuir todo mês com o FGTS.
Outro lampejo: incentivos bilionários para empresas que constroem fábricas, expandem linhas de produção e compram máquinas; alívio no INSS para firmas que empregam muito. Não se lobriga, no entanto, como a conta vai fechar. Por que meios o Tesouro será ressarcido da benevolência ninguém diz -ou deixa para divulgar a fatura mais à frente, embutida num pacote de Natal enviado ao Congresso.
Há que cortar gastos. Mas onde? Contra quem? Taxas pífias de investimento público ameaçam estrangular qualquer projeção otimista para o PIB dos próximos anos. Aumentá-las, pela via de um acréscimo na carga tributária, surge no atual ambiente econômico como temeridade a que, nem mesmo em seus acessos mais delirantes -e rápidos quando se trata de verberar a liberdade de imprensa-, o petismo se arrisca a praticar.
Propor uma reforma tributária que elimine as distorções em vigor -amplamente favoráveis às pessoas de renda mais alta, enquanto penalizam o assalariado de baixa renda- não consta da agenda presidencial.A redução nos gastos da Previdência, envolvendo reforma num sistema que cerca de privilégios parcelas importantes da população, ainda em plenas condições de atividade, esboça-se sem clareza, e sem garantias de viabilização política, nos bastidores da composição ministerial.
Esta se faz, afinal, sem rumos, sem propósito, sem programa. O lema da retomada do crescimento se repete com a monotonia de um rap, de uma ladainha, de uma ação de graças: Lula venceu, quer o crescimento, não sabe como, pede propostas, ministros virtuais se apressam, são tímidos e medíocres, Lula não está contente, Lula pede mais propostas, seus aliados pedem mais cargos, Lula pede mais crescimento, não sabe a quem, não sabe como.
Nesse nauseante bate-estaca se apresenta, enfim despojado dos marqueteiros, o político que a maioria reconduziu ao Planalto: desnorteado e conciliatório, vago de propostas e confuso, girando em torno do próprio eixo no ritmo da empulhação.

Entre a ação e o bocejo
JANIO DE FREITAS
UMA IMPORTANTE proposta para atenuar a desmoralização do Congresso, com prováveis reflexos saneadores nos Estados, tende a se perder caso não haja um movimento em seu apoio na opinião pública, a partir de imprensa, CNBB, OAB, ABI e outras entidades com poder mobilizador (embora pouco ou nada exercido nos últimos anos).Motivada como contraproposta à articulação para mais aumentos dos vários ganhos de deputados e senadores, a idéia que reúne um pequeno grupo de parlamentares consiste em duas providências concomitantes: sustar a discussão do "reajuste" e instituir, por meio de uma comissão especial, os estudos necessários para sanear e racionalizar o gasto com os congressistas e com atividades injustificáveis da Câmara, como a sua rádio só para as cercanias de Brasília, e do Senado.Em nenhum sentido, o que inclui o salarial, a função de deputado equivale à de ministro do Supremo Tribunal Federal, como não é superior à de ministro do Superior Tribunal de Justiça. Dispensa considerações, portanto, o absurdo da articulação para que os subsídios de parlamentares equiparem-se, com aumento de 91,5%, aos do STF e sejam superiores aos do STJ.Diminuir os vencimentos de parlamentares, isso sim, seria saudável. O desconto das faltas injustificáveis, considerada a semana normal do funcionalismo, e a conseqüente diminuição dos subsídios de quase todos os parlamentares seria, a rigor, a mais decente das providências para iniciar a moralização do Congresso. Nenhum dos presidentes da Câmara e do Senado, em anos a perder de vista, mostrou estatura para aplicar o regime legal de presenças e vencimentos. E não é prudente supor que apareça algum, no futuro previsível. Quem seria capaz de fazê-lo, por isso mesmo, não se elege presidente no Congresso.Mas a proposta de racionalização dos gastos atuais aborda práticas não menos despropositadas, e vários dos privilégios. Como a verba "indenizatória", à falta de nome ainda mais disfarçante; a mais recente verba "de gabinete" e, além de outras de igual teor moral, também lembra Fernando Gabeira os milhares de reais mensais, para cada parlamentar, a pretexto de gasto com selos na era da internet. São os diversos penduricalhos, assentados em justificativas falseadas, que levam o gasto mensal com cada deputado a quase R$ 100 mil. Gasto, convém lembrar, que não resulta da divisão da despesa total da Câmara pelo número de deputados, mas de gasto direto, pessoal, com cada um deles.Fernando Gabeira, Eduardo Suplicy, Chico Alencar, Jefferson Peres, Heloísa Helena e Júlio Delgado iniciaram o grupo da contraproposta. Nenhuma surpresa nesses nomes, nem nos que vêm aumentar o grupo. Mas, cá de fora, qualquer passo que os apoie para valer, com ação, será muito surpreendente. O que é tão deplorável quanto mais parece que um punhado de parlamentares batalhadores pode iniciar a luta, mas a maneira mais provável de vencê-la seria outra. Seria o projeto popular, como a Constituição prevê, proveniente de movimento de opinião pública. Se houvesse, cá fora, quem acordasse para acordá-la.

sexta-feira, novembro 24, 2006

A normalidade da anomalia - CLÓVIS ROSSI

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O Brasil é um país tão estranho, mas tão estranho, que as maiores anomalias podem ser expostas de público sem causar o menor choque. A mais recente saiu da boca do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao falar sobre as medidas para "destravar" a economia. "Não me pergunte o que é ainda, que eu não sei, e não me pergunte a solução, que eu não a tenho, mas vou encontrar, porque o país precisa crescer", disse Lula.
É fantástico: Lula passou praticamente toda a sua vida adulta sendo candidato a presidente; quando, enfim, passa quatro anos governando, se candidata de novo a presidente, mas não tem a mais remota idéia do que é necessário fazer para o país crescer.
O pior é que ninguém se espantou com a confissão de quem, antes da eleição ou pouco depois dela, vivia dizendo que as fundações estavam prontas, que as paredes já estavam praticamente erguidas, faltavam apenas detalhes de acabamento para que, por fim, ocorresse o tal "espetáculo do crescimento".
Na hora de o espetáculo começar, o diretor da peça avisa que não tem as falas. Era tudo blablablá, promessas ocas de campanha. Aliás, vê-se agora, tardiamente, que já em 2003, quando fez o primeiro anúncio do "espetáculo do crescimento" (que não houve), Lula estava "chutando", aliás uma de suas grandes características. Se não tem agora a solução, se não tem agora as respostas para "destravar" o país, muito menos ainda poderia tê-las há quatro anos.
Aí, convida o PMDB para um governo de "coalizão", que giraria em torno do crescimento econômico, entre outros itens igualmente vagos. Ora, que projeto de crescimento Lula pode oferecer ao PMDB se ele próprio não tem a mais remota idéia do que fazer?
No entanto, tudo é dito com a maior naturalidade e engolido como se fosse verdade. Patético.