segunda-feira, janeiro 29, 2007

A tentação chavista

Fábio Ulhoa Coelho - jurista, é professor da PUC-SP
Estadão - 29/01/2007

Não fosse o Lula, seria um golpista. No discurso de improviso feito ao tomar posse no segundo mandato, Lula incorreu em imprecisão histórica e confusão conceitual que, na boca de outro presidente, soariam como prenúncio de golpe. Mencionou como fato marcante do primeiro mandato um movimento de massas na defesa de instituições democráticas que simplesmente não ocorreu. E classificou a crueldade de alguns traficantes cariocas como terrorismo, confundindo questão de segurança pública com agressão ao Estado. Fosse outro, de quem não se tolerassem facilmente imprecisões históricas e confusões conceituais, e um discurso como este, ao espreitar ameaças rondando instituições da democracia, serviria à preparação de ambiente propício à revisão delas, a pretexto de as proteger.
Mas que golpe poderia temer a democracia brasileira no fim da primeira década do século 21? A resposta é clara: a tentação chavista das ilimitadas reconduções sucessivas ao cargo de presidente ou, pelo menos, a do terceiro mandato sucessivo.
Um dos princípios basilares do regime democrático é a alternância no poder. Admite-se, no máximo, o segundo mandato sucessivo, com o objetivo de conferir alguma estabilidade administrativa; ainda assim, sem o consenso absoluto entre os democratas. A alternância pressupõe que mesmo o bom governante não se deve perpetuar no governo, sendo sempre preferível sua substituição periódica como antídoto contra o irrefreável fator corrosivo do poder. Por isso, o terceiro mandato sucessivo ou a supressão de limite às reconduções sucessivas representa séria agressão à democracia.
O mais perigoso, no caso brasileiro, não é o Lula cair na tentação chavista. Admitamos até que ele já tenha sucumbido - é indiferente. Deve atemorizar-nos muito mais se, nos próximos dois ou três anos, parte significativa de sua frágil e eclética base ceder à mesma tentação.
A Lula não interessa que surja de sua base algum nome realmente competitivo em 2010. Na pior das hipóteses, não podendo concorrer, ele se estará cacifando para 2014. De qualquer modo, consolidado, após as próximas eleições municipais, o cenário de provável vitória da oposição em 2010, criam-se as condições políticas para o golpe do terceiro mandato.
Lembre-se que a base do governo lulista tem reservado amplos espaços para políticos que, no passado, não se acanharam de servir à ditadura militar. Some-se a isto que no PT muitos militantes consideram a democracia não um fim, mas mera transição para outros regimes de organização política. Diante da inexistência de candidato competitivo nas próximas eleições presidenciais, estas forças e todos quantos se tenham beneficiado dos dois governos lulistas estarão expostos à tentação chavista.
Lula deve repetir, no segundo mandato, a mesma política econômica ortodoxa e o crescimento continuará não dando espetáculos. Assim como uma eventual queda acentuada nos preços do petróleo seria fatal para o projeto bolivariano, uma forte deterioração no quadro econômico brasileiro tenderia a minar o potencial de nova candidatura de Lula. Quer dizer, se nada radicalmente diferente acontecer na economia, as condições para o golpe do terceiro mandato dependerão apenas da política.
A viabilização, no Brasil, do golpe do terceiro mandato não se conseguiria sustentar unicamente num eventual projeto pessoal de perpetuação no poder. Aqui, a democracia tem exibido maior musculatura que nos demais países da América Latina. Vários fatos demonstram como estamos um tanto mais seguros, sob o ponto de vista da estabilidade institucional, que nossos vizinhos.
Em primeiro lugar, aponto a plena informatização do processo eleitoral, que tem garantido a mais ampla confiabilidade nos resultados dos pleitos. Em nenhum dos Estados em que os governadores foram eleitos por margem reduzida de votos houve contestação alguma. No México, López Obrador, derrotado na corrida presidencial, ainda hoje põe em dúvida a lisura do sufrágio, tendo até mesmo mandado às favas as instituições e se autoproclamado vencedor. O site oficial de sua campanha não foi desativado, mas transformado no do “governo legítimo do México”
http://www.amlo.org.mx/
Mesmo as tranqüilas eleição e reeleição de um metalúrgico para o cargo de presidente são reveladoras da maturidade de nossa democracia. A Bolívia também tem um presidente que não veio das elites, mas o país está mergulhado hoje numa enorme crise, que, perigosamente, o pode levar à guerra civil.
A frustração das diversas tentativas, empreendidas no primeiro mandato de Lula, de controlar os meios de comunicação de massa, inclusive procurando disciplinar o exercício da profissão de jornalista, é outro forte indício do vigor da democracia brasileira. Igualmente, o rápido e indolor sepultamento da proposta desprovida de paternidade de convocação de uma Constituinte específica para a reforma política é demonstrativo de vitalidade democrática. Mais recentemente, também revela a musculatura de nossa democracia a impossibilidade de se levar adiante o inconcebível projeto de lei que visava a controlar os acessos à internet, mediante prévia identificação de todos quantos ingressassem na rede. Divulgada pela imprensa a despropositada propositura, dois dias de reação foram mais que suficientes para o pronto afastamento da matéria da pauta do Senado - uma maneira honrosa de arquivar o assunto.
As exibições de musculatura que a democracia tem feito no Brasil são alentadoras, mas não têm tranqüilizado inteiramente os democratas diante da possibilidade de a tentação chavista cativar os aliados de Lula. Atenção redobrada, então.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Brasil é ignorado em abertura de fórum, que exalta China

por Clóvis Rossi - FSP
Os encontros anuais do Fórum Econômico Mundial começam, tradicionalmente, com uma sessão matinal de atualização sobre a economia mundial.
Este ano, agregaram-se atualizações regionais, entre elas sobre a América Latina.Azar da América Latina: ninguém tocou no nome dela ou de qualquer um de seus países, nem o Brasil, na sessão global, carregada de euforia sobre a economia mundial.
Em contrapartida, no debate sobre a América Latina, tocou-se um melancólico tango argentino, com críticas ao crescimento "medíocre" da região. Como a América Latina cresceu, no ano passado, 5,3%, não se fizeram necessárias observações sobre o desempenho do Brasil, mais ou menos a metade dessa "mediocridade".
No andar de cima (literalmente: o debate sobre a economia global foi um piso acima da sala sobre a América Latina), o indiano Montek Ahluwalia, vice-presidente da Comissão de Planejamento de seu país, jogava ao auditório os 8,3% de crescimento da Índia.
A seu lado, humilhava-o Min Zhu, vice-presidente do Banco da China, com o crescimento de 10,5% de seu país.Até o mundo rico tinha números bons a apresentar, pela voz de Laura D'Andrea Tyson, reitora da London Business School: Estados Unidos, Europa e Japão vão crescer entre 2% e 2,5%, o que é muito bom para esse tipo de país, de economias já prontas e acabadas.
Depois de 70 minutos de otimismo, sem que aparecesse a palavra Brasil, o enviado da Folha quis saber o que tinham a dizer sobre o país.Por acaso ou não, a resposta foi entregue ao único pessimista, Nouriel Roubini, presidente da Roubini Global Economics (EUA). Ele limitou-se a dizer as platitudes convencionais: que o Brasil fizera as reformas macroeconômicas indispensáveis, que tinha uma boa estratégia fiscal e reduzira a inflação a patamares mais que civilizados.
Para aumentar o crescimento, falta, completou, elevar a taxa de investimentos e fazer as indefectíveis reformas.No andar de baixo, o ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo ia um pouco mais longe, ao falar da América Latina em geral. Disse que os latino-americanos são "capitalistas relutantes", do que resultaria o "medíocre" crescimento.Ninguém discordou, até porque os debatedores pertencem à corrente liberal. Exceção feita ao brasileiro Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos, que defendeu o que chamou de "políticas pró-pobres". Crescimento só não basta, argumentou, citando pesquisa do Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento, segundo a qual 56% de 80 países pesquisados tiveram crescimento econômico, mas só 23% melhoraram a situação de seus pobres.
Mas ressaltou: "Esse tipo de política tem que perdurar por pelo menos duas décadas. E não basta reduzir a pobreza se as pessoas não tiverem educação para se tornarem competitivas no mercado de trabalho".
Redução da pobreza e da desigualdade figuraram em todos os discursos. Houve até menções ao fato de que a pobreza, pelo menos, está se reduzindo, mas não de maneira suficiente."A porcentagem da riqueza nacional que vai para o capital está aumentando na comparação com a fatia que vai para o trabalho", observou Guillermo Ortiz, presidente do Banco Central do México.No andar de cima, o otimismo era tamanho que o catastrofista de plantão todo ano em Davos (Stephen Roach, economista-chefe da Morgan Stanley) desta vez nem foi chamado. Roach prevê todo ano uma crise que ainda não aconteceu.
No lugar dele, entrou Nouriel Roubini, que conseguiu enxergar "três ursos feios" no caminho da economia mundial: o fim do "boom" imobiliário nos Estados Unidos, o aumento dos juros, que começa a provocar um sufoco no crédito, e a retomada da tendência à alta no preço do petróleo.