segunda-feira, março 05, 2007

FSP - 05-03-2007
Deputados dão emprego a 68 parentes por R$ 3,6 mi ao ano

SILVIO NAVARRO
RANIER BRAGONDA
SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ao completar o primeiro mês da nova legislatura, a Câmara contabiliza ao menos 68 casos de familiares de deputados recém-nomeados ou que mantiveram seus empregos nos gabinetes. Com salários que variam de R$ 720 a R$ 8.040, os "assessores-parentes" representam um gasto anual de R$ 3,6 milhões aos cofres públicos.Levantamento da Folha nos boletins administrativos da Casa revela a preferência de 52 deputados em empregar os filhos, que representam 40% do total de familiares lotados nos gabinetes. Mas há de quase tudo: irmãos, mulheres, primos, sobrinhos, cunhados e até concunhada e ex-cunhada."Enquanto houver possibilidade, estou dando a oportunidade a eles. Depois que for proibido, tudo bem", avalia Átila Lins (PMDB-AM), que emprega dois filhos e patrocinava o cargo de outra filha, exonerada em outubro.
Cada um dos 513 deputados pode contratar até 25 assessores sem concurso público. A Câmara reserva, por parlamentar, R$ 50,8 mil ao mês para o pagamento desses assessores.
O número de familiares localizado pela Folha nos boletins da Câmara é subestimado por dois motivos: a pesquisa só rastreou sobrenomes similares ao do parlamentar, e a maioria dos deputados que assumem o primeiro mandato ainda não nomeou nem metade dos 25 assessores a que têm direito.
Houve ainda casos de servidores que carregam sobrenomes idênticos ao do parlamentar, mas, pelo fato de o parlamentar não ter sido localizado pela reportagem, esses nomes não foram contabilizados.
É o caso de Mussa Demes (PFL-PI), que possui uma filha de nome "Simone Maria". Há uma "Simone Maria Demes Jereissati" empregada na Câmara, mas, como a Folha não conseguiu confirmar o parentesco, o caso não entrou na contagem.
Além disso, muitos familiares de deputados que estavam empregados na Casa como CNEs (Cargo de Natureza Especial) -com lotação em órgãos técnicos, ou seja, fora dos gabinetes- foram exonerados no final de 2006 por decisão do ex-presidente da Casa Aldo Rebelo (PC do B-SP). Mais de mil dos cerca de 3.000 CNEs foram definitivamente extintos neste ano por Arlindo Chinaglia (PT-SP), sucessor de Aldo.
O nepotismo -usar a influência pública para privilegiar familiares- não é ilegal no Congresso, mas enfrenta duras críticas do Ministério Público e de setores da sociedade. A Câmara tem uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que trata do assunto engavetada há cerca de dois anos.O ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti (PP-PE) empregou mais de cinco parentes e era aberto defensor da medida. José Múcio Monteiro (PTB-PE), principal cotado para ser o novo líder do governo na Câmara, patrocinava o emprego de duas filhas -uma delas, Marina, foi exonerada há menos de um mês.
Outros indicaram a mulher e o filho para trabalharem juntos, como Wellington Roberto (PR-PB) e Zonta (PP-SC). O deputado Roberto Balestra (PP-GO) emprega dois irmãos e um parente de terceiro grau.Nessa lista, destaca-se ainda o caso de um empregado no gabinete que doou dinheiro para bancar a campanha do futuro chefe. É o caso de Roberto Tejadas, cunhado do deputado Marco Maia (PT-RS), que contribuiu com R$ 7.000. Ele foi indicado pelo PT para o cargo."Sou contra o nepotismo, mas o nepotismo em excesso. A lei não pode ser discriminatória com parentes, há casos e casos", afirma Maia.
Assim como Átila Lins, há parlamentares que nomearam dois filhos no gabinete, como Arnon Bezerra (PTB-CE), Átila Lira (PSDB-PI), José Santana de Vasconcellos (PR-MG) e Vicente Arruda (PSDB-CE).O deputado Vilson Covatti (PP-RS), que assume seu primeiro mandato, levará para Brasília seus dois cunhados. O também novato Luiz Carlos Setim (PFL-PR) nomeou a mulher, Neide Maria, para um dos maiores salários do gabinete.
Procurados pela Folha na sexta-feira, alguns dos parlamentares reagiram com irritação. "Vocês só fazem matéria para f... a gente. Não quer saber se é competente, se não é. Só quer saber se é parente. Se é parente, é f.d.p. E esculacha o nome do parlamentar (...) Pode escrever isso aí", afirmou em entrevista gravada Jair Bolsonaro (PP-RJ), que emprega familiares da mulher. Minutos depois, sua assessoria telefonou para se desculpar.

Para parlamentares não é imoral contratar parentes

Deputados afirmam que a prática é legal e que os funcionários cumprem funçõesDA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A maioria dos deputados que emprega seus familiares afirmou não ver imoralidade na prática e reagiu com irritação, sendo que alguns tentaram desvincular o funcionário de sua vida pessoal. Em muitos casos, a resposta foi a mesma: "Cunhado não é parente"."Tem alguma lei que proíbe? Não é imoral porque ela está trabalhando. Quando houver mudança na Constituição, eu exonero e contrato outro", disse Nelson Meurer (PP-PR), que emprega a cunhada.
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), por sua vez, chegou a xingar a reportagem.
Veja abaixo as explicações:Leandro Vilela (PMDB-GO): "Não vejo nenhum problema, o que não pode é ter um gabinete com dez ou 20 parentes. Nesse caso, cumprindo as funções, acho normal".
Leonardo Vilela (PSDB-GO): diz que a filha já foi exonerada. A Folha não encontrou a publicação da saída.Lobbe Neto (PSDB-SP): assessoria apenas confirmou que sua mulher trabalha em seu escritório no Estado.Luiz Carlos Setim (PFL-PR): informou por meio da assessoria que sua mulher "acompanha sua vida política".
Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB-ES): informou se tratar de um parente de terceiro grau.Márcio Reinaldo (PP-MG): a assessoria informou que sua irmã trabalha como assessora no Estado.
Marco Maia (PT-RS): "Sou contra o nepotismo, mas o nepotismo em excesso. A lei não pode ser discriminatória com parentes, há casos e casos. No meu caso, o Roberto Tejadas é dirigente do PT desde 1988, é indicação do partido".Mauro Lopes (PMDB-MG): "Meu filho é funcionário do Dnit e está fazendo um trabalho específico na Câmara. Ele é especialista em transportes e eu era o presidente da comissão de Transportes. Ele ganha só uma gratificação, de R$ 480, porque a lei não permite ele ser requisitado sem salário".Nelson Meurer (PP-PR): "Tem alguma lei que proíbe? Não é imoral porque está trabalhando. Quando houver mudança na Constituição, eu exonero e contrato outro".
Neucimar Fraga (PR-ES): "Minha irmã trabalha comigo desde que eu era vereador. Dos meus 20 assessores, eu tenho uma irmã, e enquanto a lei permitir ela vai continuar".
Nilson Pinto de Oliveira (PSDB-PA): assessoria informou que o filho do deputado foi exonerado. A Folha não encontrou o registro de saída.
Osvaldo Reis (PMDB-TO): a assessoria informou que não houve interferência política do deputado na nomeação do seu filho para o gabinete do deputado peemedebista Tadeu Filippelli (DF).
Paulo Henrique Lustosa (PMDB-CE): assessoria informou que se trata de um ex-cunhado.Roberto Balestra (PP-GO): "Nepotismo é muito difícil, parente é pai, filho e irmão. Se o funcionário trabalha com dignidade e honradez, não vejo problema".
Rodrigo Rollemberg (PSB-DF): disse que não houve interferência política porque seu sobrinho já trabalhava no gabinete do deputado Mauro Lopes antes de ele tomar posse de seu primeiro mandato.
Sandro Matos (PTB-RJ): "Ele [ seu irmão] é meu assessor de marketing, é meu braço direito e esquerdo. Nesse caso, não é um problema, mas uma solução pela responsabilidade dele".
Tadeu Filippelli (PMDB-DF): a assessoria argumentou que não se trata de familiar porque a funcionária é mulher do seu cunhado.
Vilson Covatti (PP-RS): informou por meio da assessoria que, "mediante à lei, cunhado não é parente".
Abelardo Camarinha (PSB-SP): "De 25 nomeações que eu tenho direito, nomeei um membro da família, que é minha irmã, que é meu braço direito há vários anos. (...) Não há nenhuma imoralidade nisso".
Flaviano Melo (PMDB-AC): "Ela [a mulher] é funcionária do Senado, quando eu cheguei lá, em 91, era divorciado, e ela era funcionária da Casa desde os anos 80. (...) Não é indicação minha, faço questão de não me meter nisso".
Ademir Camilo (PDT-MG): diz que a mulher era concursada como professora, em Teófilo Otoni (MG), e que foi cedida para a Câmara para acompanhar o marido.
Átila Lins (PMDB-AM): afirma que, enquanto não for proibido, não vê problema em contratar os dois filhos. "Um percentual que não chega nem a dez por cento [do que um deputado pode contratar]".
Os demais deputados citados não responderam.