quarta-feira, agosto 15, 2007

Lições da crise anunciada

PAULO RABELLO DE CASTRO - FSP

A INTENSIDADE e a rapidez da intervenção dos bancos centrais da Europa, do Japão e dos EUA, desde a quinta passada, prenunciam os contornos do que apelidamos de "primeiro confronto sino-americano do século 21". Convenhamos que o objetivo recorrente de Henry Paulson, o poderoso secretário do Tesouro dos EUA, ao visitar tantas vezes a China, não é o de estar fotografando a Grande Muralha ou as paredes vermelho-páprica da Cidade Proibida. A questão é cambial. E fica mais delicada pelo volume de transações sobre um estoque mundial de ativos financeiros de US$ 200 trilhões! A política belicista de George W. Bush abriu um déficit gêmeo (externo e fiscal) acumulado em US$ 7 trilhões, financiado pela emissão de dívidas do Tesouro americano e papéis de empresas e débitos das famílias (casa própria, automóvel etc).
Outra parte desse imenso déficit é bancada por emissão de dólares ou pela venda de ativos de residentes americanos. A avaliação de risco de crédito do governo dos EUA continua sendo triplo A. Mas o que dizer da enorme quantidade de débitos das empresas e das famílias que se endividaram em proporção muito superior às poupanças daquele país e de seus ganhos de produtividade?
Técnicas sofisticadas de diversificação de riscos ("derivativos de créditos" e "securitização") permitem empacotar as dívidas dos clientes e passá-las adiante a aplicadores finais, que, via de regra, nem sabem qual a exata composição de sua "carteira de riscos". Como o planeta é uma economia "fechada" e limitada pela disponibilidade dos elementos da produção mundial, a grande alavancagem de crédito é disputada, palmo a palmo, pelas principais nações, que dependem da conjunção de capitais, talentos humanos, recursos naturais e organização política. Nessa guerra econômico-comercial, capitaneada por chineses e americanos, não cabem nações sem projeto definido, como o Brasil. Perde quem ceder espaço produtivo. E o Brasil tem cedido muito...
Mas, nos EUA, o relativo equilíbrio fiscal e comercial legado por Clinton foi revertido em suprema gastança pela gestão imperial de quem o sucedeu. Alan Greenspan, do Fed, baixou o juro básico para 1% entre 2001 e 2004. Contudo, antes de deixar o Fed, iniciou o "ajuste", trazendo os juros de volta aos 5%.
O impacto desse movimento é mais dramático que sua recente descrição, pelo FMI, como "saudável ajuste de valor de ativos", tampouco está restrito à esfera imobiliária nos créditos mais arriscados (subprime). Os devedores, quando constrangidos, apertam todos os itens do seu orçamento, pois empinaram o papagaio de suas compras e investimentos ao máximo, por anos. Quanto maior a altura, pior o tombo... Não se trata, portanto, de mera "correção", como afirmam analistas de mercado. O que está em jogo é o desfecho do "rouba-monte" entre Ásia e EUA, da China contra o dólar.
Isso é que faz o secretário Paulson cruzar freneticamente o oceano, buscando uma aceleração do valor de moeda chinesa, a fim de acolchoar melhor a "correção" inflacionária do dólar nos EUA.
Por outro lado, a crise não é tão "assustadora", como acoimou o colega Paul Krugman nesta Folha. Assustadora mesmo é a posição dos países que afirmam tardiamente, com equivocado orgulho, estarem "blindados" da crise. Blindado está quem não participou do ciclo de crescimento e prosperidade. Por ter perdido o bonde, o Brasil não cresceu e, agora, comemora o fim da festa, que também perdeu.

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