quarta-feira, junho 13, 2007

E não vale a lei para os compadres do rei?

José Nêumanne - Estadão 13 junho de 2007

Este jornal noticiou anteontem em manchete que a Polícia Federal (PF) concentrará o inquérito da Operação Xeque-Mate no petista Dario Morelli, compadre do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tido como sócio de Nilton Cezar Servo, apontado como chefe da máfia desbaratada, que explorava caça-níqueis. A sentença enunciada nesta abertura de texto contém um teor explosivo que os cuidados nela exigidos e exibidos podem não bastar. De um lado, um chefe de governo, que deve ser ilibado por definição. Do outro, um suspeito de pertencer ao crime organizado. E, no meio dos dois, o compadre, o sócio. Convém, pois, esclarecer logo que o compadrio é uma prática antiga na política nacional. Próceres batizam filhos de seus eleitores com prodigalidade demais e, normalmente, atenção de menos. Quando Leonel Brizola pretendeu lançar-se candidato à sucessão do irmão de Neuza, sua mulher, João Goulart, tratou de preceder a campanha de um slogan, que se tornaria célebre e paradigmático: "Cunhado não é parente." Da mesma forma, hoje, da relação entre Lula e Dario é justo estabelecer que "compadre não é parente". Mas irmão é. E parente de primeiro grau. Ainda assim, não se pode inculpar Sua Excelência por nenhum dos ilícitos dos quais é acusado seu mano mais velho, Genival Inácio da Silva, o Vavá. Até Jimmy Carter teve seu irmão-problema, sem falar em nosso José Sarney, uma espécie de compadre virtual de Lula, sempre às voltas com o Vavá dele, de nome Murilo. Só que sempre fica um travinho na goela por conta da proximidade, da intimidade. Isso mesmo esquecendo logo de saída a deixa ancestral de Júlio César, que, para se livrar da bela Pompéia Sula, suspeita de receber atenções masculinas indevidas, condenou a própria cônjuge pelo fato de apenas parecer, mesmo não sendo provado que ela retribuísse tais atenções. Ao contrário dos tempos prévios àqueles famosos idos de março, esta nossa era e esta República são outras: nelas, às mulheres, aos compadres, parentes e amigos do peito não apenas se concede o direito de parecer, como o de se valer de qualquer negativa, por menos documentada que seja, como prova decisiva de sua inocência e da má-fé do acusador, seja quem for. O que difama esta República não é tanto o irmão pródigo do chefe de Estado tolerante e tolerado, mas, sim, o Estado permissivo e negligente que este comanda e o sistema de leis e normas que existem só para inglês ver (sem entender, diga-se). O Estado aprecia o espetáculo e dissemina a falsa idéia de que para punir um suspeito de ter cometido algum delito basta expô-lo à execração geral. Tolice: José Genoino ouviu imprecações do eleitorado quando foi votar, mas nem por isso deixou de ser eleito deputado federal, após ter assinado documentos para lá de heterodoxos na condição de presidente de um partido que infringiu de diversas formas a lei, que dizem ser o império de uma democracia que se preze. O conceito republicano da "mulher de César" não se aplicou ao nobre parlamentar nem atingiu seu irmão (ele também tem um irmão-problema) José Nobre Guimarães, cujo ex-assessor José Adalberto Vieira da Silva foi preso no aeroporto com US$ 100 mil na cueca. Aos protagonistas do caso em questão não se aplicou o tal conceito milenar, mas uma lei bem mais recente, cunhada pelos hábitos da República Velha e do mandonismo de Artur Bernardes: "Para os amigos, tudo; para os inimigos, o rigor da lei." Outros dois petistas foram beneficiados pelo mesmo expediente: Gedimar Passos e Valdebran Padilha foram flagrados com a chamada boca na botija, ou melhor, com a mão na massa: a PF, sempre a PF, pilhou-os com R$ 1,75 milhão num hotel perto do aeroporto e um dossiê encomendado a falsários para prejudicar o candidato do PSDB ao governo de São Paulo, José Serra, anulando seu favoritismo. Na condição de sabe-se lá o que de sabe-se lá quem ligado a alguma instância próxima ao rei (que só é paralisado, como até Ciro Gomes sabe e parece que a PF também, pelo xeque-mate), não foi lavrado o flagrante desses dois senhores, que, submetidos à prisão temporária, foram soltos no quinto dia, como manda a lei (que juiz nenhum se negará a aplicar) para este caso específico. Eles foram chamados de "aloprados" por Sua Majestade, mas até agora nada têm a pagar na Justiça. Exemplos como estes são empilhados nos arquivos dos jornais e não há espaço aqui para esgotá-los. O ex-ministro Saulo Ramos teve a pachorra de fazer as contas e, em seu livro Código da Vida, conta que a PF já processou, indiciou e prendeu 6 mil brasileiros, pela polícia espetacular dos governos Lula. Mas ninguém foi condenado. Não dá, porém, para deixar de lado o companheiro Antônio Palocci, visto pelo caseiro Francenildo Santos Costa freqüentando uma mansão suspeita, onde lenocínio e corrupção pareciam gêmeos siameses. Como Genoino, Palocci elegeu-se com facilidade deputado federal, goza de imunidade parlamentar e foro privilegiado, enquanto a testemunha infeliz perdeu emprego, mulher e paz. Nenhum dos delinqüentes que quebraram seu sigilo bancário e tornaram pública sua condição de bastardo foi punido pela lei dos homens. Todos gozam a anistia ampla, geral e irrestrita da impunidade dos todo-poderosos. Pode ser que a desproporção absurda entre os capturados pela polícia e os apenados pela Justiça se deva a excessos dos que prendem e algemam. E o ministro da Justiça, Tarso Genro, houve por bem anunciar um projeto para acabar com abusos e violências contra a cidadania como algemas, camburões e escutas telefônicas indiscriminadas. Na certa, também, a lerdeza e a permissividade do Judiciário contribuem para a conta. O certo é que a soma de tais fatores torna esta a Pátria da impunidade, em particular para parentes, compadres e amigos do rei.

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