quarta-feira, setembro 20, 2006

Acabou a era FHC - Marcos Nobre

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LULA DEU uma rara entrevista a quatro órgãos de comunicação no domingo, entre eles a Folha. É até agora o documento de campanha mais importante. Mas ainda não recebeu a devida atenção porque tem sido interpretado de maneira limitada, como tentativa de desviar o foco da crise do dossiê.
A entrevista é o contraponto da carta aberta de FHC. É uma análise do primeiro mandato e um mapa do segundo. E mostra que o desespero da carta de FHC tem fundamento.
Porque Lula deixou claro que pretende e tem meios para desmontar a armação do sistema político deixada pelo antecessor. O Plano Real não foi apenas um plano de estabilização econômica. Foi também um plano de estabilização política.
Ordenou o sistema de tal maneira que empurrou todos os partidos para uma disputa pelo centro político, apertando ao máximo o espartilho das políticas públicas possíveis. O grande teste desse modelo foi a alternância de poder. Segundo a lógica instaurada pelos dois governos FHC, o PT no poder federal estaria condenado ao PMDB para constituir o segundo pólo da política brasileira.
Só que o governo Lula não seguiu o figurino. Recusou uma aliança duradoura com o PMDB bem cedo, em 2004, quando o então ministro José Dirceu já havia negociado em detalhe uma composição e foi desautorizado pelo presidente.
Essa atitude quase custou a Lula seu mandato. Mas a partir do momento em que conseguiu se manter acima da crise política do mensalão e do próprio PT, Lula abriu caminho para se desvencilhar da camisa-de-força que recebeu. E para organizar o sistema político em novas bases.

É isso o que explica o desespero da carta aberta de FHC. Ficou claro para o ex-presidente que o momento perdido de um eventual impeachment de Lula tinha pavimentado o caminho para a destruição de seu verdadeiro legado: um sistema de dois pólos travado no centro político.
E o golpe de morte foi dado pela escolha de uma candidatura presidencial sem nenhum brilho e sem capacidade de manter coeso o pólo PSDB-PFL. Lula não pretende poupar esforços para quebrar o pólo representado pela aliança PSDB-PFL, aproveitando para se infiltrar nas rachaduras da disputa entre Aécio Neves e José Serra pela candidatura à Presidência em 2010. Esse o sentido do chamamento a um "pacto de responsabilidade".
É certo que Lula pretende mesmo atrair o que for possível do PMDB, além dos pequenos partidos dependentes do governo para sobreviver. Deixa claro também que o PT já não desempenhará papel protagonista nesse processo. Mas é difícil saber que cara terá a reorganização do sistema político que pretende empreender. Só o seu sentido é claro: o fim do modelo político brasileiro de FHC.

MARCOS NOBRE é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap