segunda-feira, agosto 21, 2006

O caixa 2 vai bem, obrigado

Guilherme Fiuza

Todo mundo reclama dos corruptos, mas a receita para o Brasil dar errado tem sido garantida, cada vez mais, pelos homens de bem.
Na política, o inferno das boas intenções está lotado. Não cabe ali nem mais uma formiga, nem mais uma lei – os bem intencionados adoram resolver os males do mundo com uma lei.
Os brasileiros não aprenderam nada com a jornada delirante da Constituinte de 88. Já são quase 20 anos daquele sonho de proibir a alta de juros com um artigo na Carta Magna, e de salvar a democracia espalhando novos municípios por todo o território. Chato não é constatar o desastre da utopia. Chato é verificar que o desastre não ensinou nada.
Os brasileiros assistiram ao show de Marcos Valério e Delúbio Soares, em suas coreografias arrojadas para transferir dinheiro público para partidos políticos. O que se fez contra essa promiscuidade do Banco do Brasil, dos Correios, da Caixa Econômica etc com os interesses privados dos políticos que estão no poder? Absolutamente nada.
Como é de costume, a opinião pública se hipnotizou com o debate errado, e foram todos discutir o caixa dois nas campanhas políticas – um problema secundário diante do mensalão e do assalto às instituições públicas. Para piorar, as medidas discutidas (sempre as mesmas) são aquelas que só solucionam alguma coisa na cabeça abstrata dos guardiões da ética.
Eles amam, por exemplo, o financiamento público das campanhas – essa incrível miragem que promete revogar a influência do poder econômico com a simples distribuição aos políticos de dinheiro do contribuinte.
Essa aritmética do crioulo doido acabou forçando uma mudança de regras para a eleição 2006. Com o objetivo de baratear as campanhas, e com isso reduzir o mercado negro das doações, proibiu-se várias formas de publicidade eleitoral. Raciocinaram os éticos: se os candidatos não puderem anunciar em outdoor, por exemplo, ninguém vai se sentir em desvantagem e esse item desaparecerá do orçamento das campanhas.
O único problema do mundo maravilhoso dos bem-intencionados é sua distância da vida real. E na vida real, um candidato a cargo público precisa se dar a conhecer ao eleitor – de preferência, da forma mais intensa possível. E o limite dessa intensidade jamais poderá ser controlado por uma lei. Conseqüência óbvia: explodiu o mercado de compra de espaços nas fachadas de residências e propriedades particulares.
E aí está um gasto que quase sempre é informal, contratado de boca e sem recibo, ou seja, o paraíso do caixa dois. Não pode propaganda fixa em local público? Não tem problema. Os candidatos estão pagando exércitos de seguradores de faixas e bandeiras, para mofar nas esquinas da cidade exibindo seus nomes e números. Alguém acredita que o pagamento a essa mão-de-obra desqualificada freqüenta disciplinadamente os livros-caixa? Com recibo?
Em lugar dos brindes, também proibidos, surgem presentinhos de vários tipos, freqüentemente mais caros, para compensar na memória afetiva do eleitor a falta da marca do candidato. Não se pode pagar cachê a artista para fazer showmício? As campanhas multiplicam seus gastos com panfletos, santinhos, soldados do spam, enfim, tudo que possa passar adiante a mensagem que não pôde ser transmitida singelamente de um palco em praça pública.
Os éticos conseguiram. O combate ao caixa dois tornou-se o maior fermento do caixa dois. De quebra, a propaganda política vai ficando cada vez mais truncada, dura, distante dos hábitos normais das cidades.
Sem sentir, esses “progressistas” se aproximam cada vez mais do ideal da ditadura, em que o candidato divulgava suas “idéias” com pouco mais do que um cartaz de procura-se, um slogan e um número.
Depois esses democratas de almanaque vêm reclamar do voto nulo.

comentário: só discordo dessa última frase, democracia é ter a opção de votar ou não, mas omitir-se é *não* ser democrático, por isso sou contra esse movimento pró voto nulo.
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