quarta-feira, setembro 06, 2006

Gastos devem cair antes dos impostos

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Gazeta Mercantil - 5 de Setembro de 2006 - Na semana passada, o Congresso recebeu do Executivo a proposta para o Orçamento de 2007. Esta versão, a de setembro, é bem diferente da Lei de Diretrizes Orçamentárias enviada ao Congresso em abril, também válida para o próximo ano.
Na proposta feita quando faltavam seis meses para a eleição, o Executivo propôs um corte nas despesas correntes do próximo exercício de 0,1% do PIB, em relação a este ano. Já na proposta agora elaborada, quando falta apenas um mês para o pleito, as despesas crescem 0,2% do PIB, em relação a 2006. Entre abril e setembro muita água passou embaixo da ponte do Orçamento da União. A principal diferença é que o governo passou a superestimar a arrecadação do próximo ano. Em outras palavras: o Executivo estipulou que em 2007 o PIB avançará 4,75%. E fez um orçamento que já gastava por conta da estimativa otimista de receita. Com isso, os gastos aumentariam "apenas" 0,2%. Um cálculo simples, partindo de base mais realista, mostra outra situação: se o País crescer só 3,5% no ano que vem, o aumento dos gastos passa a representar uma carga de 0,4% do PIB. No cenário orçamentário com previsão de aumento de gastos de 0,2% do PIB, as despesas correntes ultrapassam o crescimento do PIB mais uma vez. Há anos o Brasil lida com este erro de três maneiras: ou o Orçamento é refeito, ou o Orçamento não é cumprido porque, o governo bloqueia o repasse final das verbas "autorizadas", ou, a pior delas, a receita sobe, porque os impostos aumentam.
O novo governo, portanto, deverá decidir logo nos primeiros dias se deseja aumentar impostos ou cortar despesas. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, já reconheceu que os números orçamentários serão revistos "várias vezes", porque a proposta foi elaborada e enviada ao Congresso sem que as diretrizes estivessem aprovadas. Na prática, a proposta do Orçamento começará a ser discutido ainda neste ano e seguindo script bem conhecido, deputados e senadores incham a peça orçamentária o quanto consideram bom. O governo recebe as decisões irrealistas e age de modo também conhecido: bloqueia a maior parte dos gastos. Bernardo, no entanto, foi bem objetivo sobre esta tática: em 2007 o bloqueio "não será suficiente", porque o mercado não aceitará equilíbrio orçamentário via controle na boca do caixa.
O governo, portanto, está consciente do problema e já fala em austeridade no ano que vem. O drama é que tanto o Congresso quanto a máquina do governo podem querer arrancar do novo governo outra alternativa: não cortar gastos e aumentar a receita.
O ex-coordenador da Secretaria da Fazenda de São Paulo, Clóvis Panzarini, especialista em questões tributárias construiu imagem exata sobre esse problema: é como taxa de condomínio, paga-se o quanto o condomínio gasta; se gasta a mais do que arrecada, tem boleto extra. Para Panzarini, há um equívoco nesta discussão: enquanto o governo não reduzir gastos, não será possível cortar impostos, como em qualquer condomínio. A definição de prioridades, portanto, está incorreta: só depois de cortar gastos é que os impostos caem, não o inverso. Sem esquecer que sem corte de gastos não será possível ao governo fazer investimento. E sem investimento o País não cresce.
Quando o governo fala em aumentar gastos, ele emite sinal perigoso, porque certas despesas orçamentárias (saúde, por exemplo) crescem por determinação constitucional, ou seja, aumentam obrigatoriamente mesmo que o governo ou o Congresso não autorizem, porque tais gastos devem crescer "no mesmo ritmo do PIB". Desse modo, logo nos primeiros dias do próximo governo, duras decisões deverão ser tomadas.
Seja quem for o eleito, ele precisará de apoio do Congresso para cortar gastos ou, então, aumentar impostos. A carga tributária em 37,37% do PIB indica que o limite foi atingido.
Talvez a razão última da temperatura morna da campanha eleitoral seja apenas cautela frente às sérias dificuldades a serem superadas logo nos primeiros dias do novo governo.